Liminar do STF Salva Milhares de Ações por Improbidade e Freia ‘Corrida pela Impunidade’

Uma decisão liminar proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), representa um marco significativo na luta contra a corrupção no Brasil. A medida suspendeu um artigo que havia reduzido pela metade o prazo de prescrição para ações de improbidade administrativa, evitando que milhares de processos caduquem e frustrando o que era percebido como uma “corrida pela impunidade” de indivíduos acusados de desviar vultosas somas dos cofres públicos.

O Risco da Prescrição e a Urgência Judicial

A controvérsia surgiu com a Lei 14.230, sancionada em outubro de 2021 pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), que alterou a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992). Entre as modificações, estava a redução do prazo prescricional, o que colocou em xeque a continuidade de inúmeros processos judiciais em andamento.

De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cerca de 40 mil ações por improbidade em todo o país corriam o sério risco de serem arquivadas por conta dessa nova regra. Somente na capital sul-mato-grossense, Campo Grande, 70 processos estavam ameaçados de “terminar no lixo”, sem que houvesse punição para os envolvidos.

Muitos réus, cientes do novo prazo, apostavam em recursos e manobras para postergar os julgamentos. Em Campo Grande, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, estava em uma verdadeira corrida contra o tempo, agendando sentenças para serem proferidas até o dia 21 de outubro deste ano, antes que os prazos fatais se esgotassem.

A Ação da Conamp e o Argumento Legal

Diante da iminente perda de milhares de ações, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) tomou a iniciativa de ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF, solicitando uma medida liminar para barrar a prescrição. A entidade argumentou que o prazo de quatro anos para a contagem da prescrição, a partir da interrupção do processo, era incompatível com a realidade do sistema de justiça brasileiro.

A Conamp destacou que, na prática, a tramitação de um processo cível no Brasil leva, em média, quase cinco anos para percorrer cada instância judicial. Assim, a redução do prazo criaria um gargalo insustentável, favorecendo a impunidade.

A Decisão do STF e Seus Efeitos

O ministro Alexandre de Moraes acatou o pedido de tutela de urgência da Conamp. Em sua decisão, ele determinou:

“Ante o exposto, com fundamento no art. 10, § 3º, da Lei 9.868/1999, e no art. 21, V, do RISTF, CONCEDO A MEDIDA CAUTELAR, ad referendum do Plenário desta SUPREMA CORTE, para suspender a eficácia da expressão ‘pela metade do prazo previsto no caput deste artigo’ contida no art. 23, § 5º, da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021.”

Com essa medida cautelar, que ainda aguarda referendo do Plenário do STF, o Poder Judiciário ganha um fôlego crucial. A suspensão da redução do prazo permite que as ações por improbidade administrativa prossigam, garantindo que réus envolvidos em grandes esquemas de corrupção possam ser devidamente julgados e, se condenados, responsabilizados pelos desvios.

Casos de Grande Repercussão Salvos da Impunidade

A decisão de Moraes é particularmente relevante para uma série de investigações e processos que revelaram desvios milionários. Operações de combate à corrupção, como Lama Asfáltica, Redime, Antivírus e Reagente, entre outras, agora veem seus resultados protegidos contra a prescrição.

Em Campo Grande, o montante total cobrado pelo Ministério Público Estadual (MPE) em ações de improbidade supera a marca de R$ 2 bilhões. Dentre os casos de maior destaque, estão:

  • Operação Tapa Buracos: A fraude ocorrida durante a gestão do ex-prefeito Nelsinho Trad (PSD) gerou 11 ações por improbidade. Embora o ex-prefeito tenha conseguido se livrar de algumas acusações, ele permanece réu em outras.
  • Escândalo do Gisa: Nelsinho Trad também responde a três ações relacionadas a este escândalo.
  • Operação Lama Asfáltica: Este complexo esquema envolveu figuras políticas de alto escalão e empresários poderosos. As ações de improbidade contra o ex-governador André Puccinelli (MDB), o ex-secretário de Obras Edson Giroto, e empresários como João Amorim, João Roberto Baird e Antônio Celso Cortez, estavam entre as que corriam risco de prescrever.
  • Desvios na Saúde: Há também uma ação de improbidade que apura desvios de R$ 46 milhões envolvendo a empresa Health Brasil Inteligência em Saúde, um caso que igualmente se beneficia da suspensão do prazo prescricional.

A manutenção desses processos é fundamental para a recuperação de recursos públicos e para a credibilidade do sistema de justiça.

Críticas à Atuação do Supremo

Apesar do alívio para o Ministério Público e para a sociedade civil, a decisão de Alexandre de Moraes não está isenta de críticas. Há quem questione a interferência do STF em atos do Congresso Nacional, argumentando que o Supremo estaria extrapolando suas atribuições.

O advogado constitucionalista André Borges expressou essa preocupação:

“O STF tem exagerado no controle de constitucionalidade, derrubando lei aprovada legitimamente; que de maneira alguma ofende a Constituição; última palavra sobre esse tipo de assunto sempre deveria ser do órgão máximo de representação popular, no caso o Congresso Nacional.”

Essa perspectiva levanta o debate sobre os limites da atuação do Poder Judiciário frente aos demais poderes, especialmente em temas que passaram por deliberação legislativa.

Entenda a Lei de Improbidade Administrativa

A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) tem como objetivo punir agentes públicos e terceiros que, no exercício de suas funções ou em relação com o poder público, cometem atos que causam prejuízo ao erário, enriquecimento ilícito ou que atentam contra os princípios da administração pública. Antes da Lei 14.230/2021, os prazos prescricionais eram mais longos e flexíveis. A reforma de 2021 buscou, entre outras coisas, delimitar mais estritamente a definição de improbidade e os prazos para que as ações não se arrastassem indefinidamente. Contudo, a redução do prazo de prescrição, especificamente, gerou controvérsia por ameaçar a efetividade das punições em casos já em andamento, dada a complexidade e o tempo de tramitação dos processos no sistema judicial brasileiro.

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